Efeito perspectiva

De repente me dei conta do copo. Estava meio cheio. Não é filosofia, foi descuido mesmo. Servi água demais e agora precisava beber com atenção. Devagar. Para não derramar. Pensei que isso talvez fosse maturidade.

Da janela, a rua parecia curta. Duas esquinas conhecidas, uma árvore que insiste em crescer no cimento, um carro estacionado no mesmo lugar de ontem. Tudo muito previsível. Resolvi ir a pé, de chinelo. Só para espairecer. No meio do caminho percebi algo estranho. A rua insistia. Não ficava maior, mas demorava mais. Cada passo parecia pisar fora de ritmo. O corpo combinou outra velocidade com o tempo.

O relógio seguia normalmente. Olhei para ele mais de uma vez. O ponteiro cumpria seu papel. A pressa inventava desvios. Cheguei ao destino, ou ao que pensei que fosse, um pouco fora de mim e chamei isso de cansaço.

Os prédios estavam no mesmo lugar. As pessoas repetiam gestos quase automáticos. O mundo seguia alheio.

Em algum momento pensei que aquilo tivesse um nome. Perspectiva, talvez. Dar nome ajudava pouco.

E segui o dia.

Com o copo ainda meio cheio.

Ou meio derramando.

Aquém do Além

Toda vez que tento nomeá-lo 
ele se desfaz.
Toca o nada, se dissolve,
entre um pensamento que cala
e outro que ainda não fala.

Talvez o além exista aí,
no acidente da consciência,
quando o passo vacila no tropeço.
Leve demais para ser certeza,
firme demais para ser ignorado.