A marcha dos versos vadios


Os versos reunidos
Ali em assembleia
Saíram em marcha

Foram todos por ai
Fantasiados de rimas
Vestidos de métrica

Saíram todos
Disfarçados de rimas
Escondidos de métrica

Em punho cartazes
Faixas e panfletos
Tudo em branco

O ansioso poeta
Perplexo, passivo
Revoltava-se
Com marcha
Das expressões

















Sobre coisas, lembranças e infância

De repente começo a recordar de coisas, das coisas, e quando percebo, já fui tomado pelas lembranças. As imagens chegam soltas, aleatórias. É como um álbum de fotografias aberto em qualquer página. Daí eu avanço, ou volto, permaneço por mais tempo em alguma foto, ou passo rapidamente por outras.

Pronto! Está ai, uma boa lembrança. Álbum de fotografias! Objeto em desuso, em tempo de máquina fotográfica digital. Hoje em vez de foliar um encadernado de retratos sobre o colo, acompanhamos sincronicamente a exibição de imagens frente à tela do computador.

Computador é algo que me faz ter outras lembranças. Penso em computador, passo pela impressora e chego ao mimeógrafo. É como se eu viajasse no tempo. Posso sentir o cheiro de álcool na folha ainda umedecida que a professora do ensino primário entregava. Não sei dizer se lição, prova ou qualquer outra atividade, mas posso sentir o aroma passear por entre o septo e os sentidos.

Cheiro de livro novo é outro que me faz lembrar escola. Cheiro tem esse poder transcendente de nos transportar mentalmente para tempos e talvez até mesmo espaços esquecidos. Cheiro de mato é outra coisa que me espanta e encanta. Basta sentir aquele perfume de terra misturado a orvalho, para como magia reconhecer e percorrer cenários que não mais existem, a não ser em minhas lembranças.

E por fim me dou conta de que todas essas lembranças se remetem à infância. Evidente que não poderia esquecer de citar a mais saborosa das lembranças. A infância. Época mágica, de sonhos, pura e protegida pelo amor materno.


Soneto à luz da lua


Lua cheia derrama-se à janela
Além do astro, o brilho que vejo
É a chama de uma vela
Evidências de nosso desejo

Teu olhar vivo, teu sorriso aberto
Os olhos negros e a pele alva
O pulsar forte, você por perto
O beijo molhado, a sua alma

Corpus nus,  envolvidos
Mãos,  pés, deleite de amantes
Abraços, cheiros, gemidos

Carinhos aconchegantes
Um toque, um beijo mais atrevido
Sob cuidados do corpo brilhante

Noturno

Entre telas, teclados.
Volumes, edições.
Emissoras, programações.
Páginas!
Por vezes impressas.

Assim como antes
A noite não mudou
Mudaste a companhia.

Rubber Soul



Quisera eu ter “alma de borracha”
Apagar o lapsus que não escrevi
Traduzir o rubber soul

Felicidade Momentânea

Quantos poemas a compor,
festas para ir,
viagens a fazer,
bocas a beijar.

Quantas manhãs para dormir,
vinhos a beber,
músicas a dançar,
corpos a despir.

Quantos livros a ler,
ruas para andar.
Quantas orações a fazer,
quadros a pintar.

Quantas chuvas de verão para te banhar.

Vá! Arrebata-te! Liberta-te!
Seja feliz! Depois volte!

Colibri

Entrou pela janela, um beija-flor
Inquieto, assoviou ao meu lado
Trazia prenúncio de um novo amor
E certeza de dias apaixonados

Rápido, gracioso, seguiu viagem
Bateu asas, saiu sem discrição
Talvez levasse outra mensagem
Dessas que alegram o coração

Paixões são sempre assim
Inesperadas, aparecem do nada
Às vezes têm triste fim
Às vezes, uma história encantada

Mas a pequena ave voltou
Com uma notícia um tanto incerta
“O estado afetivo acabou”
Meio sem graça falei:
Vou deixar a janela aberta!




Preâmbulo

Meu livro é de poemas pobres
Às vezes também não opulentos
Mas tem a fúria da arte devaneia

Erupção de vulcão que ainda dorme
Testemunho exato de trabalho erudito
Neologismo, neolatino, correm dentre veias

Tolice!
Não existe livro algum
Sim páginas dobradas
Na gaveta da escrivaninha.












Peixe de aquário

Ser vertebrado respira por guelras
Sistema sensorial, diferentes células
Cores intensas, padrão fusiforme
Barbatanas longas, não sei quando dorme

Eu tenho um bem ali
Naquela cultura aquática
Naquele bojo minúsculo
Que lhe faz perder a prática

Esquecido se torna incógnito
Na sua gota oceânica
No seu ambiente insólito
De uma vida nem monogâmica














Poesia de janela

Da minha janela
Eu vejo a rua, a lua
Também a chuva

Eu vejo o céu
Hora cinza, vez azul

Da minha janela 
Eu vejo o quadro
A tela que não pintei

Eu "vejo" a canção
O acorde que não toquei

Da minha janela
Eu vejo o sol nascer
Eu vejo o pôr do sol

Eu vejo os versos 
Poesia que não escrevi


O teto

Meia noite. Ao meu quarto me recolho
Meu Deus! E este teto! E, agora vede:
No concreto bruto sobre a parede,
Protege-me a pele, então me recolho.

Vou mandar derrubar a parede
Digo. Erguê-la ainda, somente com o olho
E olho o teto. E vejo-o ainda, intriga-me o olho
Figura imóvel sobre minha rede!

Levanto. Esforços faço. Chego
Quase a tocá-lo. Minh’alma se concentra.
Que arte produziu tão perfeito quadro?

A consciência humana é este teto!
Por mais que a gente a faça, a noite ele esta lá
Imperceptivelmente em nosso quarto.

Adaptado de: O Morcego - Augusto dos Anjos

Ritual, decisão e desencontro parte dois



Para ler a primeira parte clique aqui:

Em linha reta. Um caminho só. De um círculo para outro. Passando em frente a igreja, Ele se viu fazendo seus votos de amá-la e respeitá-la. Um círculo. Os anelares. Mais adiante, na outra esquina, a viagem para Paris em lua-de-mel. Eles seguiam perfeitos e juntos. Ele já imaginava que som teria a risada Dela ao brilho das luzes, por entre o aroma dos cafés.

Uma rua movimentada. Cuidado. Pararam, entreolharam-se. O primeiro obstáculo. Atravessaram juntos. Ele, de peito arfado; Ela, de respiração rápida e ofegante. Vieram outras esquinas. As buzinas lembrariam então os avisos que ela deixaria na porta da geladeira para Ele dar banho no cachorro, ou consertar a pia que vaza, ou então que, pelo amor de Deus, compre um tênis novo para as caminhadas.

Dobram a primeira esquina. Ela já não é tão bonita com o rabo de cavalo atrapalhado. Ele observa a paisagem ao redor, e a cor do asfalto tem cor de cansaço. Tem cheiro de escritório. As moças ocupadas que passam com muita pressa prendem a atenção Dele. Mas a floricultura o faz imaginar qual seria a cor favorita Dela. “A linha é reta. Não tanto o desejo”, Ele pensa.

No parque principal, ele sentiu o perfume que vinha dos cabelos Dela. Tinham cheiro de bebê. Como aqueles que saem da maternidade, dependentes e frágeis, viciados nos pais. Seria Ela uma grávida bonita? O corpo firme, o cabelo sedoso e os belos olhos grandes teriam um brilho novo carregando o fruto de um amor tão certo. Ele seria o marido que vigia os enjôos, realiza os desejos e diz que não, amor, você não está tão inchada. A linha reta formaria o laço.

Ele estava decidido: era linha que ele queria. Era o caminho único que fazia sentido. Pensou consigo: “Atravessaremos esta ponte e eu pedirei o telefone dela.” E durante o caminho, ele sentiu suas mãos suarem, as pupilas dilatarem e o coração acelerar. Ele poderia ouvir o pulsar que vinha do coração Dela também. Ela sorriu, suspirou alto e disse:

“- Amor!”

Assustado, Ele correu os olhos pelo parque e, no fim da ponte, enxergou o Amor. Era moreno, mais alto um pouco que Ela e tinha um sorriso franco e tranqüilo, típico dos que amam. Ela e o Amor se abraçaram e se beijaram ternamente.

E a linha acabou bem ali, no Amor. Ironicamente, pensou: “No final, todos acabam andando em círculos, perdidos por entre as suas certezas.”

Naiara Martel (Macapá) que se define como adoradora de eufemismos é a Dona do blog “Do Quarto Verde”, espaço que ela diz escrever o tudo aquilo que se perde em cadernos e listas que saem de dentro do seu quarto. Acesse http://doquartoverde.blogspot.com/ e conheça o trabalho de Naiara.












Ensaio

Poema  Ensaio  publicado no Lapsus Calame é recitado por João Lenjob



Ensaio por João Lenjob - Castelo do Poeta

Ansiava compor um soneto,
Forma fixa, pequeno poema.
Duas quadras, dois tercetos,
produzidos em determinado tema.

Consultei os principais sonetistas,
Estudei com afinco, alexandrismo e clássico.
Por vez fiquei muito otimista,
mesmo em infração ao verso decassilábico.

Engajei-me em tarefa difícil,
a expressão do sentimento lírico.
Mas há de valer todo sacrifício.

Tal impertinente fantasia
envolvida em ambiente quase místico
em busca da completa poesia.