Adeus ano Velho
Composição de um ano novo
O viral do tempo
Escapa antes do clique.
Vai-se ontem, surge o amanhã,
Vem o feed, segue o flow.
Relógios? Quase memes.
Amanhãs no planner,
Ontem guardado na nuvem.
E cá estamos on-line,
Um "carregando" sem fim,
Entre lives, likes, e telas.
O tempo ri: segue viral.
Entre tempos
Página no altar
Ela ficou, na frente do altar, parada. A palavra do sim, ela não ouviu; e o não, ah, esse ficou preso nos lábios do verso, que nunca veio.
No fundo da capela, o vento entrou e passou, levando tanto o perfume das flores quanto a poeira do chão. Ela, quieta, sussurrou: “lágrima tem hora, e essa não é”.
Pois que o verso foi mundo afora, sem deixar palavras nem rima. Ela ficou ali. Esperando o quê? Talvez o poema que não chegou, ou soneto não lido, o conto mal redigido.
Só quando o recanto sagrado se esvaziou ela deu o primeiro passo. Não olhou para trás.
E eu, que a vi de longe, pensei: a página em branco compôs a história.
Em nome do Galo!
Ó força que habita a camisa listrada.
Em teu manto pensei no verso
e nas cores vivas enxerguei a alma.
Saudei a massa, vibrante em coro,
contemplei o lance, em tempo lento,
quando o tempo dobrou o passe.
De que serve a métrica,
se o coração explode em batidas desiguais?
De que vale a rima,
se a poesia está no grito que rompe o silêncio?
Para que importa a técnica,
se é a paixão que guia a jogada divina?
Pois gritaram GOL,
e num só clamor bradaram:
GALO!
E nesse grito ressoa o infinito.
Ó Espírito do Galo,
guia-nos na vitória e na fé,
faz do campo um altar,
e de cada gol, uma prece.
Em nome do Galo, Amém!
Pretérito
No tempo passado
O verbo guardara memórias
Perfeitas que já vivera
Aqui estamos, olhando para você, tempo
No crepúsculo tênue de uma terça-feira outonal, eis-me aqui, na
penumbra daquela cafeteria, onde os sorrisos se misturam aos murmúrios das
horas que escorrem preguiçosas. Um cliente solitário, peregrino da tarde, ergue
sua taça de espumante como um brinde à liberdade que se espraia pelos minutos
mansos.
Que enigma é este, contemplar um homem a saborear a efervescência
da vida em sua taça flute em pleno acaso do dia útil? A inveja se insinua, como
uma sombra furtiva, ao testemunhar tal dança solitária com o tempo, esse senhor
implacável que governa nossas existências.
E eu, mero espectador deste teatro mundano, me vejo enredado em um
breve intervalo de não mais que um quarto de hora, quando as obrigações se
calam e o relógio desacelera seu tic-tac incessante. Ah, que luxo é este? Permitir-se
perder-se nos devaneios de uma tarde vadia, sem a tirania das demandas urgentes
que nos afogam na rotina.
Meus olhos, ávidos por enredos, vagueiam pelas mesas e seus
ocupantes. Alguns, dominados por seus deveres, escravos dos compromissos que os
mantêm presos em suas demandas incessantes. Outros, mais serenos, desfrutam da doçura
do tempo, como quatro senhoras que tecem histórias entre xícaras de chá e
pedaços de bolo, mesmo que em luta com o próprio tempo.
Há ainda aqueles que flertam com o efêmero, seduzidos pelas
miragens da companhia, pelas páginas amareladas de um livro ainda não lido, ou
pelo desfilar de belas figuras por entre as mesas. E há aqueles que
simplesmente existem, entre olhares perdidos e suspiros contidos, testemunhando
o brilho na tela do celular ou o vaivém da vida que se desenrola para além das
janelas na avenida movimentada.
No final das contas, quem são estes viajantes do tempo, cujos
destinos se entrelaçam brevemente neste refúgio de encontros e desencontros? Serão
felizes, ou apenas flaneurs à deriva em caminhos incertos?
Ah, quem poderá decifrar os enigmas do espumante tardio, cujo brilho efêmero ilumina os corações solitários na penumbra da tarde? Talvez, assim como as bolhas que sobem em sua taça, sejamos todos transitórios meteoros neste vasto firmamento chamado vida, brilhando por um instante antes de desaparecer na imensidão do tempo.
Da Escuridão à Luz
Sob véus de ébano, a noite se desvela,
Em manto negro, o mundo se consome,
A alma em agonia, em busca daquela
Paz que no vento, apenas se some.
Nas trevas espessas, um eco lamenta,
Um murmúrio triste, em busca de alívio,
A solidão aperta, a dor atormenta,
Na vastidão noturna, em frágil fio.
Mas eis que a aurora, em esplendor desponta,
Com seus raios dourados, a terra banha,
Desfaz as sombras, a noite se pronta,
E desperta a esperança que se estranha.
Em tons de ouro, o mundo renasce e brilha,
A alma, em paz, na aurora se tranquila,
Celebra a vida com vigor que cintila,
Na eterna dança que o dia instila.
Haikai da Paralaxe
Olhar muda, mundo gira,
Certeza dissolve em névoa,
Nasce novo rumo.
Soneto 139
Mente, meu ser sondais, meu íntimo conheceis,
Do pensar que em mim surge, nada vos escapa,
Onde eu vá, estais presente, me envolveis,
E a minha vida em vossas mãos se chapa.
Antes da palavra em meus lábios se formar,
Já a conheceis, ó Mente de sabedoria,
Criastes-me com amor, me vieste moldar,
E me envolveis em vossa eterna alegria.
Onde irei, Mente, para de ti fugir?
Se aos céus subo, lá estás em majestade,
Se ao inferno desço, tua mão me há de sentir.
As trevas não te escondem, pois tudo é luz,
Teus olhos penetram a alma em sua profundeza,
Teu amor me guia, me guarda e me conduz,
Em teus braços encontro paz e eterna beleza.
Desprendimento
Casulo translúcido estilhaça
Borboleta irrompe em chamas
Voo incandescente