De lobos e algoritmos, todo mundo tem um pouco
Sempre se debateu: quem domesticou quem?
O cachorro, esparramado no sofá como se pagasse o aluguel, não parece muito interessado na resposta. Ele levanta a cabeça com aquela elegância desleixada, só para lembrar: "Tá na hora do meu petisco, servo humano." E lá vai o dono, antes do próximo latido, pronto para cumprir sua função na cadeia alimentar moderna: garçom canino.
Mas a cena tem mais um personagem. No canto da sala, a voz de uma inteligência artificial decide entrar no jogo: "A ração está acabando. Deseja fazer um pedido?" O aparelho é direto, eficiente, e ligeiramente agressivo, como quem diz: "Se eu não lembrasse, sua incompetência deixaria o pobre animal passar fome."
Enquanto o pet reina no sofá e a máquina organiza a vida, o homem tenta não se sentir um estagiário na própria casa. "Não esqueça que tem episódio novo da sua série", avisa o assistente digital. "E leve a coleira amanhã, caso queira manter alguma dignidade": alerta novamente o assistente virtual ao piscar luzes em cores diferentes.
O dono, agora mero executor de ordens caninas e tecnológicas, se resigna. A hierarquia da casa é tão clara quanto um contrato de operadora de celular.
Naquela noite, ele se joga no sofá, tentando relaxar. Na TV, um documentário sobre os primórdios: um homem, uma fogueira e um lobo selvagem. Ele ri sozinho. "Como isso virou... isso?" pergunta, olhando para o cachorro que está, literalmente, de barriga para cima.
O cão responde com aquele olhar que mistura amor e desprezo. A voz digital não perde a chance de provocar: "Eu prefiro não opinar sobre assuntos existenciais."
E lá está ele, sentado, olhando o quadro: o cachorro que domina o sofá, a IA que controla sua agenda e ele mesmo, o elo mais fraco na cadeia do progresso. Quem realmente está no comando?
O cão tem o conforto. A máquina tem os dados. E ele? Ele tem contas para pagar, perguntas demais na cabeça, e o leve pressentimento de que está sendo domesticado.