A manhã fria de julho já ocupara o lugar da noite, que fora longa e também fria, quando aquela mulher -vou chamá-la de Biza- que dormia na calçada acordou.
Devagar ela se desfez das folhas de jornal que cobriam-lhe o corpo fingindo proteger-lhe a pele, se contorceu sobre o colchão de papelão formado pelos restos de uma caixa de TV e esfregou os olhos como quem é despertado com o abrir inconveniente de uma cortina.
Imóvel e apresentando certa indisposição para começar mais um dia incerto, ela observou as pessoas indo e vindo, a padaria movimentada, o vai e vem dos pedestres e os automóveis barulhentos pela avenida da grande cidade.
Então, como se tivesse o tempo a seu favor, Biza levantou-se lentamente, recolheu seus pertences – uma colher de metal, algumas peças velhas de roupa e um copo plástico tipo descartável – e acomodou-os com cuidado em uma sacola de supermercado achada ao lado de um Ipê-amarelo. Após esses movimentos que pareciam ser tão rotineiros, sentou-se debaixo dessa árvore, que assim como Biza, insistia e resistia aos maus tratos da cidade.
Não demorou muito e ela começou a cochichar ao lado do Ipê. O monólogo era difícil de entender, pois falava baixinho e fazia alguns gestos repetitivos sem muito sentido. Tomado pela curiosidade tentei decifrar o que Biza dizia ao Ipê. Minha investida foi em vão, não consegui identificar o que era dito. Talvez falasse sobre suas histórias; amores, verdades, desilusões. Talvez falasse das flores amarelas que caiam. Talvez contasse o sonho que tivera durante a noite. Talvez fizesse uma prece.
Imagem: ipe-mareloavare http://goo.gl/2nMmG
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